A Lei de Prevenção e Cessação Tabágicas impõe um só tipo de intérpretes: os sumamente inteligentes. Os medianos, ou destituídos de inteligência, como é o nosso caso - confessemo-lo -, não vão lá.
Para além dos locais de trabalho, em acepção própria, a Lei de Prevenção e Cessação Tagábicas, que o Parlamento votou por maioria em 28 de Junho pretérito, veda a faculdade de fumar em um sem-número de espaços, a saber:

- nos locais em que se achem instalados o Parlamento, o Presidente da República, o Governo e os Tribunais
- nos locais em que se sediem os serviços e departamentos da administração central, regional, desconcentrada e local
- nos locais em que se estabeleçam pessoas colectivas públicas
- nos locais em que se prestem cuidados de saúde (hospitais, clínicas, centros e casas de saúde, consultórios médicos, postos de socorro e outros similares, laboratórios, farmácias e locais em que se dispensem medicamentos não sujeitos a prescrição clínica)
- nos lares e outras instituições que acolham pessoas idosas ou com deficiência ou incapacidade
- nos locais em que se acolhem menores de 18 anos (infantários, creches e outros estabelecimentos de assistência infantil, lares de infância e juventude, centros de ocupação de tempos livres, colónias e campos de férias e demais estabelecimentos similares…)
- nos estabelecimentos de ensino (salas de aulas, de estudo, de professores, de reuniões, bibliotecas, ginásios, átrios e corredores, bares, restaurantes, cantinas, refeitórios espaços de recreio,…)
- nos centros de formação profissional
- nos museus, colecções visitáveis e locais onde se guardem bens culturais classificados, nos centros culturais, nos arquivos e nas bibliotecas, nas salas de conferência, de leitura e de exposição
- nas salas e recintos de espectáculos e noutros locais destinados à difusão das artes e do espectáculo, incluindo as antecâmaras, acessos e áreas contíguas
- nos recintos de diversão e outros destinados a espectáculos de natureza não artística
- nas zonas fechadas das instalações desportivas
- nos recintos de feiras e exposições
- nos conjuntos e grandes superfícies comerciais e nos estabelecimentos comerciais de venda ao público
- nos estabelecimentos hoteleiros e outros empreendimentos turísticos, onde sejam prestados serviços de albergaria ou pousada
- nos estabelecimentos de restauração e de bebidas, incluindo os que possuam salas ou espaços destinados a dança
- nas cantinas, refeitórios, bares de entidades públicas e privadas destinados exclusivamente ao respectivo pessoal
- nas áreas de serviço e postos de abastecimento de combustíveis
- nos aeroportos, estações ferroviárias, estações rodoviárias de passageiros e nas gares marítimas e fluviais
- nas instalações do metropolitano afectas ao público, designadamente nas estações terminais ou intermédias, em todos os seus acessos e estabelecimentos ou estações contíguas
- nos parques de estacionamento cobertos
- nos elevadores, ascensores e similares
- nas cabinas telefónicas fechadas
- nas recintos fechados das redes de levantamento automático de dinheiro
- nos meios de transporte, quaisquer que sejam
- nos
locais de trabalho- nos locais outros em que, por determinação da gerência ou imperativo da lei, se proíba.
No entanto, a teia de excepções é tão complexa que se tornaria fastidioso contemplar de momento uma tal análise.
Importa determo-nos, isso sim, sobre os locais de trabalho.
Aí se define que é lícito fumar nas áreas ao ar livre.
E ainda que pode ser permitido fumar em áreas expressamente previstas para o efeito.

Para tanto, é indispensável que se cumpram três requisitos cumulativos:
- que tais áreas sejam separadas fisicamente das restantes instalações (ou, não o sendo, que disponham de dispositivo de ventilação – ou qualquer outro -, desde que autónomo, que evite que o fumo se espalhe aos espaços contíguos);
- que seja garantida a ventilação directa para o exterior através de sistema de extracção de ar que proteja dos efeitos do fumo os trabalhadores e os clientes não fumadores;
- que se garanta devidamente a sinalização, com a afixação de dísticos regulamentares, que a própria lei prevê e define.
A aplicação prática de tais exigências não se tem como isenta de escolhos.
Ponto é que haja instrumentos de medida fidedignos susceptíveis de mensurar a qualidade do ar por forma a detectar-se a presença ou não no ar das substâncias contaminantes que o fumo expelido pelos fumadores contém.
Ademais, não é indispensável que haja
separação física (como, de resto, se exigia na Proposta de Lei emanada do Governo) e, ainda assim, que houvesse, sob pressão negativa, a extracção do fumo por meio de um eficiente sistema de exaustão…
Os
dispositivos de ventilação que evitem que o fumo se espalhe às áreas contíguas, podem, ao que parece, evitar que se condicione a existência de áreas de fumo a instalações separadas fisicamente.
Mas mais perturbante ainda (o que pode naturalmente frustrar o escopo da lei e as coordenadas da Convenção-Quadro da OMS a que Portugal se vinculou) é o que se reporta aos estabelecimentos de hotelaria, restauração, cafetaria e similares com a corte de excepções e de permissões que a lei votada no Parlamento introduziu.
E não se pode olvidar que tais estabelecimentos são também
locais de trabalho.
Mas o texto, de modo algo irrealista, refere que – para além dos requisitos enunciados e de condicionantes outros que respeitam a superfície dos espaços – “
não abranjam as áreas destinadas exclusivamente ao pessoal nem as áreas onde os trabalhadores tenham que trabalhar em permanência”.
Trata-se obviamente de dispositivos cuja inexequibilidade é manifesta. Susceptível, pois, de propiciar que nada se altere.
Mais a lei diz mais: “
Sem prejuízo da [faculdade conferida aos proprietários dos estabelecimentos de restauração e similares (bebidas, dança, etc.) com áreas inferiores a 100m2 de poderem optar por estabelecer a permissão de fumar, desde que obedeçam aos mais requisitos já enunciados],
a opção pela permissão de fumar deve, sempre que possível, proporcionar a existência de espaços separados para fumadores e não fumadores.”
Mas condiciona ainda a lei que “a definição das áreas para fumadores [caiba] às entidades responsáveis pelos estabelecimentos em causa, devendo ser consultados os respectivos serviços se segurança, higiene e saúde no trabalho e as comissões… ou, na sua falta, os
representantes dos trabalhadores para a segurança…”
Em suma: Como dizia há dias, em Lisboa, Carlos Correia, um homem da Televisão, preferível será apôr um dístico que na singeleza dos termos resuma a fuga às imensas dificuldades de interpretação que tão complexo normativo arrasta consigo: “PROIBIDO FUMAR”.
Na realidade, a Lei de Prevenção e Cessação Tabágicas impõe um só tipo de intérpretes: os sumamente inteligentes. Os medianos, ou destituídos de inteligência, como é o nosso caso - confessemo-lo -, não vão lá. E é pena! Porque, não sei se já se apercebeu, é mesmo de um caso de saúde pública que se trata.
Em Banguecoque, em reunião da OMS, gente altamente preocupada com a saúde pública também torceu, ao que nos dizem, o nariz ao cunho excessivamente liberalizante do texto português. Será?
Mário FROTA
presidente da apDC - associação portuguesa de Direito do Consumo