por: Teresa Serafim
3.Janeiro.2018
É certo: a carne vermelha em excesso pode prejudicar a
saúde dos humanos. Mas como aconteceu isso? Cientistas dos Estados Unidos
percorreram milhões de anos para agora dizerem que um dos contributos é de um
gene e do seu açúcar tóxico.
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Tudo começou há mais de 550 milhões de anos quando um
antepassado de todos os deuterostómios (grande grupo de animais que inclui os
seres humanos) adquiriu um gene chamado CMAH. Este gene é um vilão para nós,
porque ele dá as instruções para se fazer um açúcar tóxico – o ácido
N-glicolilneuramínico, ou Neu5Gc. O nosso rumo nesta história mudou há dois
milhões de anos quando os humanos conseguiram livrar-se desse gene e
proteger-se de algumas doenças. Mesmo assim, não eliminámos totalmente esse
“feitiço” na nossa vida: quando comemos carne vermelha, lá está o CMAH a
atormentar-nos. Afinal, o encontro entre humanos e este gene (e o seu açúcar em
excesso) pode vir a resultar em inflamações e cancro. Esta história com milhões
de anos foi agora revisitada por cientistas dos Estados
Unidos na revista científica Genome Biology and Evolution.
Já que sabemos quem são as personagens desta história:
vamos às apresentações. O gene CMAH codifica uma proteína (uma enzima) que
catalisa a conversão de um açúcar, o ácido N-acetilneuramínico (ou Neu5Ac),
para o já referido Neu5Gc. Eis então o Neu5Ac e o Neu5Gc, dois açúcares que se
encontram à superfície das células e que as ajuda a reconhecerem-se. O Neu5Ac
está presente em todos os deuterostómios e até nem é prejudicial. O grande
problema está no Neu5Gc, que é tóxico para os seres humanos e existe apenas nos
organismos que têm actualmente o gene CMAH. Estes dois açúcares são assim
grandes ingredientes nos “feitiços” do CMAH.
Já se sabia que o CMAH existia na carne vermelha, mais
exactamente no tecido muscular de mamíferos como as vacas, os porcos, borregos,
cavalos e as cabras. Por isso, cientistas da Universidade do Nevada (Estados
Unidos) armaram uma cilada ao CMAH para saber como permaneceu nalguns animais e
noutros não. E por que consumir carne vermelha nos faz mal. Para isso, a equipa
coordenada por David Alvarez Ponce analisou o genoma de 322 espécies de animais
para determinar em que organismos o CMAH estava activo. Para armar a tal
cilada, o trabalho de detective no laboratório de David Alvarez Ponce, onde já
é habitual estudar-se a evolução dos genes e dos genomas em computador,
socorreu-se da bioinformática.
“Encontrámos o
gene num grupo de bactérias, num par de algas, e em muitos animais do grupo dos
deuterostómios. É um grupo de animais que inclui os vertebrados (como os
humanos), os equinodermos (como as estrelas-do-mar e os ouriços-do-mar) e
outros grupos”, explica ao PÚBLICO David Alvarez Ponce. “Mas nem todos os
deuterostómios exibem este gene, muitos grupos de deuterostómios perderam-no
durante a evolução.” Por isso, a equipa de David Alvarez Ponce fez um catálogo
(neste caso, um artigo científico) com as espécies que não têm esse gene e com
aquelas que podem ser relevantes do ponto de vista da nutrição, do transplante
(um dia) de órgãos de animais para humanos ou para a investigação científica.
(…)
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